“O
próprio Dr. Salazar aplica na sua vida os princípios que defende.
Assim,
quando está fresco, mas não tão fresco que
se justifique
acender a lareira, o ditador
trabalha com uma manta sobre os joelhos. Uma
fogueira custa
o
dinheiro da lenha, pagar a
uma
criada
para a
acender,
etc.,
etc.,
etc… Enfim, não
só não é económico,
como até pernicioso! Pessoalmente
e na
intimidade, é o Dr. Salazar considerado,
para além
de pessoa invulgarmente culta, extremamente
amável. Conhecem-se-lhe
poucos amigos íntimos e o mundo habituou-se
a
julgá-lo apenas uma abstracta
máquina calculadora capaz de trabalhar ininterruptamente
dezoito horas
por dia. No
entanto, o professor também tem as suas distracções:
depois do almoço, um automóvel do governo leva o senhor do
país a
dar um
pequeno passeio pelos seus domínios. De
volta ao seu escritório, já repousado, fará então mais alguns
cálculos até cerca da meia-noite. E
é
tudo.
Verdadeiro
repouso, no entanto, segundo ele próprio diz,
só o
terá quando o país
se cansar do seu modo de governação e puder então
regressar à
quinta-modelo
que possui na sua terra natal. O
seu passatempo preferido é a
agricultura
e orgulha-se de
apresentar aos
seus raros convidados, refeições confeccionadas
com os produtos da sua quinta, pois
as suas uvas, batatas e tudo
o mais
aparecem um
mês
mais cedo do
que
o normal, devido aos processos científicos que utiliza. Faz
da sua quinta uma miniatura-modelo do país ideal e
assim, por exemplo, gosta de pagar aos seus trabalhadores uma jeira
um
pouco acima da estipulada, para tentar obter
um
maior lucro, ainda que pequeno. Parece
considerar que a
resolução
deste
problema contraditório
deve ser encontrada por um
matemático.
A
sua propriedade é toda rodeada por
um
muro de óptima
construção; Salazar
não é comunista e considera que a propriedade privada tem de ser
respeitada. Contudo, o muro tem cancelas e estas encontram-se
geralmente escancaradas, pois o professor não impede a vizinhos bem
comportados que tomem parte
nos
seus prazeres.
Um
deles é a fonte decorativa, que o
Católico-Filósofo-Ditador-Economista
classifica de
inútil e de pecar
por não ser económica. Atrevo-me
a sugerir aqui, que
a solução para a questão seria transformá-la num
admirável
tanque para as mulheres mais pobres da sua aldeia
lavarem a roupa...”
Gibbons, John, Não Criei Musgo. Retrato de uma Aldeia Transmontana, Carrazeda de Ansiães, Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, 2004, pp. 128-129.
"Professor Dr. António Oliveira Salazar"
Secretariado Nacional de Informação