31 de dezembro de 2021

Fotografar mortos

Felizmente, não aconteceu o que eu temia. Ao contrário dos ingleses, os portugueses gostam de ser observados e fotografados e uma das raparigas para ser autorizada a prostrar-se diante da câmara, até soltou os seus cabelos com três pés de comprimento! Fizemos um estrondoso êxito social. Os alunos interromperam a aula com licença da professora, para figurarem numa fotografia em frente à escola. Que se passaria? A certa altura, vi que algumas pessoas, vindas do alto da serra, se dirigiam ao dono da máquina fotográfica, transportando consigo uma bonita caixa branca do género dos baús de bonecas. Coloquei os óculos para ver melhor, mas imediatamente me arrependi e voltei a tirá-los. Era o cadáver de um bebé. O senhor inglês abanando a cabeça desoladamente, afastou-se rapidamente. Era um espectáculo pavoroso, horrível para nós, embora o não fosse tanto para os portugueses que vulgarmente fotografam os seus mortos.”

Gibbons, John, Não Criei Musgo. Retrato de uma Aldeia Transmontana, Carrazeda de Ansiães, Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, 2004, p. 148.


"Teófilo Braga no seu leito de morte..."
1924

29 de dezembro de 2021

Católico-Filósofo-Ditador-Economista

    “O próprio Dr. Salazar aplica na sua vida os princípios que defende. Assim, quando está fresco, mas não tão fresco que se justifique acender a lareira, o ditador trabalha com uma manta sobre os joelhos. Uma fogueira custa o dinheiro da lenha, pagar a uma criada para a acender, etc., etc., etc… Enfim, não só não é económico, como até pernicioso! Pessoalmente e na intimidade, é o Dr. Salazar considerado, para além de pessoa invulgarmente culta, extremamente amável. Conhecem-se-lhe poucos amigos íntimos e o mundo habituou-se a julgá-lo apenas uma abstracta máquina calculadora capaz de trabalhar ininterruptamente dezoito horas por dia. No entanto, o professor também tem as suas distracções: depois do almoço, um automóvel do governo leva o senhor do país a dar um pequeno passeio pelos seus domínios. De volta ao seu escritório, já repousado, fará então mais alguns cálculos até cerca da meia-noite. E é tudo.
    Verdadeiro repouso, no entanto, segundo ele próprio diz,o terá quando o ps se cansar do seu modo de governação e puder então regressar à quinta-modelo que possui na sua terra natal. O seu passatempo preferido é a agricultura e orgulha-se de apresentar aos seus raros convidados, refeições confeccionadas com os produtos da sua quinta, pois as suas uvas, batatas e tudo o mais aparecem um mês mais cedo do que o normal, devido aos processos científicos que utiliza. Faz da sua quinta uma miniatura-modelo do país ideal e assim, por exemplo, gosta de pagar aos seus trabalhadores uma jeira um pouco acima da estipulada, para tentar obter um maior lucro, ainda que pequeno. Parece considerar que a resolução deste problema contraditório deve ser encontrada por um matemático. A sua propriedade é toda rodeada por um muro de óptima construção; Salazar não é comunista e considera que a propriedade privada tem de ser respeitada. Contudo, o muro tem cancelas e estas encontram-se geralmente escancaradas, pois o professor não impede a vizinhos bem comportados que tomem parte nos seus prazeres. Um deles é a fonte decorativa, que o Católico-Filósofo-Ditador-Economista classifica de inútil e de pecar por não ser económica. Atrevo-me a sugerir aqui, que a solução para a questão seria transformá-la num admirável tanque para as mulheres mais pobres da sua aldeia lavarem a roupa...”

Gibbons, John, Não Criei Musgo. Retrato de uma Aldeia Transmontana, Carrazeda de Ansiães, Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, 2004, pp. 128-129.


"Professor Dr. António Oliveira Salazar"
Secretariado Nacional de Informação

28 de dezembro de 2021

Fénix

Le Phénix renaissant de ses cendres

"«Les Étudiants de Bourges ont brûlé les Oeuvres de Voltaire, Rousseau et ont dansé autour du bûcher»
Il s'agit des cendres des ouvrages des philosophes du XVIII.e siècle que l'on brûle sur un bûcher autour duquel des ânes habillés dansent une ronde de joie" daqui

27 de dezembro de 2021

Arganazes na Junqueira

"Ambos foram postos em prisões horrorosas, e da mesma fórma Fr Manuel de Guimarães. A do P. Clemente era uma casa subterranea muito humida, e muito fria; ficava-lhe por cima a cozinha do Escrivão do Crime, com um sobrado muito arruinado, donde cahia continuamente poeira, carunxo, aguas sujas etc. que causavam um discommodo inexplicavel. Alem disto de noite concorria de toda a parte uma praga immensa de arganazes, contra a qual era preciso ao Padre dormir sentado com um páo na mão para se livrar destes animaes, que por todos os lados o investiam. Clamou o Padre para que o mudassem para outra habitação, mas nunca foi deferido, e o conservaram nesta mesma dois annos e sete mezes."

Portugal, João de Almeida (2.º marquês de Alorna), As prisões da Junqueira: durante o ministerio do marquez de Pombal, escriptas alli mesmo pelo marquez de Alorna, uma das suas victimas, Lisboa, Typographia de Silva, 1857, pp. 42-43. daqui


"Prisões, na Junqueira"
Jornal O Século
1931

25 de dezembro de 2021

As raças neolatinas

"Actualmente, a Espanha está a elaborar a sua quinta ou sexta Constituição; que ela, seguindo rigorosamente esta Constituição, consiga encontrar a paz que lhe é tão necessária, assim como para nós, seu vizinho próximo. Em ambos os países da Península, ainda há muitas pessoas que sabem tanto de uma Constituição como o rei de Nápoles que, quando o povo lhe pediu uma Constituição, respondeu com terror: dou-lhes duas Constituições se as quiserem. É na verdade muito difícil conseguir qualquer espécie de ordem nas raças neolatinas. O seu primeiro instinto é resistir à autoridade, desejar a autoridade, ter medo dela e ao mesmo tempo pedir tudo dela sem desejar tomar qualquer incómodo por exercê-la."

Carta de 28 de Agosto de 1856 de D. Pedro V para o Príncipe Alberto

Mónica, Maria Filomena (org.), Correspondência entre D. Pedro V e Seu Tio, o Príncipe Alberto, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa/Quetzal Editores, 2000, pp. 139-140.

"A Sua Majestade Don Pedro V Rei de Portugal paî do povo, symbolo de doçura e de hospitalidade dedica este quadro o menino Anibal Rinaldy de 11 annos de idade natural de Damasco 1855" daqui

24 de dezembro de 2021

Príapo

"Priapus, in Greek religion, a god of animal and vegetable fertility whose originally Asian cult started in the Hellespontine regions, centring especially on Lampsacus. He was represented in a caricature of the human form, grotesquely misshapen, with an enormous phallus. The ass was sacrificed in his honour, probably because the ass symbolized lecherousness and was associated with the god’s sexual potency. In Greek mythology his father was Dionysus, the wine god; his mother was either a local nymph or Aphrodite, the goddess of love.

In Hellenistic times Priapus’ worship spread throughout the ancient world. Sophisticated urban society tended to regard him with ribald amusement, but in the country he was adopted as a god of gardens, his statue serving as a combined scarecrow and guardian deity. He was also the patron of seafarers and fishermen and of others in need of good luck; his presence was thought to avert the evil eye." daqui


Sacrificio a Príapo
Estampa 70 del incunable Hypnerotomachia Poliphili de Francesco Colonna, editado en Venezia, Aldus Manutius, Diciembre, 1499

23 de dezembro de 2021

Ler e caçar

"Das 5 às 6, trabalho outra vez, e às 6 janto, muito frugalmente depois da minha última doença. Das 6 às 8, visito o meu pai, que a esta hora costuma ir ao teatro ou vir-me visitar. A noite é passada numa conversa geral na companhia de meu irmão, minhas irmãs e de velhos amigos da família. Como regra, passo este tempo a ler um livro de História, o que, na verdade, não é muito bom para os meus olhos, pois inflamam-se muito facilmente. Mas custa-me perder este hábito. Ler e caçar são as minhas únicas paixões. Passo dias inteiros a caçar, o que me serve de distracção. Infelizmente, este ano há pouca caça de rio."

Carta de 28 de Novembro de 1855 de D. Pedro V para o Príncipe Alberto

Mónica, Maria Filomena (org.), Correspondência entre D. Pedro V e Seu Tio, o Príncipe Alberto, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa/Quetzal Editores, 2000, p. 67.


Pedro V, King of Portugal 
British School
1854-70