29 de dezembro de 2021

Católico-Filósofo-Ditador-Economista

    “O próprio Dr. Salazar aplica na sua vida os princípios que defende. Assim, quando está fresco, mas não tão fresco que se justifique acender a lareira, o ditador trabalha com uma manta sobre os joelhos. Uma fogueira custa o dinheiro da lenha, pagar a uma criada para a acender, etc., etc., etc… Enfim, não só não é económico, como até pernicioso! Pessoalmente e na intimidade, é o Dr. Salazar considerado, para além de pessoa invulgarmente culta, extremamente amável. Conhecem-se-lhe poucos amigos íntimos e o mundo habituou-se a julgá-lo apenas uma abstracta máquina calculadora capaz de trabalhar ininterruptamente dezoito horas por dia. No entanto, o professor também tem as suas distracções: depois do almoço, um automóvel do governo leva o senhor do país a dar um pequeno passeio pelos seus domínios. De volta ao seu escritório, já repousado, fará então mais alguns cálculos até cerca da meia-noite. E é tudo.
    Verdadeiro repouso, no entanto, segundo ele próprio diz,o terá quando o ps se cansar do seu modo de governação e puder então regressar à quinta-modelo que possui na sua terra natal. O seu passatempo preferido é a agricultura e orgulha-se de apresentar aos seus raros convidados, refeições confeccionadas com os produtos da sua quinta, pois as suas uvas, batatas e tudo o mais aparecem um mês mais cedo do que o normal, devido aos processos científicos que utiliza. Faz da sua quinta uma miniatura-modelo do país ideal e assim, por exemplo, gosta de pagar aos seus trabalhadores uma jeira um pouco acima da estipulada, para tentar obter um maior lucro, ainda que pequeno. Parece considerar que a resolução deste problema contraditório deve ser encontrada por um matemático. A sua propriedade é toda rodeada por um muro de óptima construção; Salazar não é comunista e considera que a propriedade privada tem de ser respeitada. Contudo, o muro tem cancelas e estas encontram-se geralmente escancaradas, pois o professor não impede a vizinhos bem comportados que tomem parte nos seus prazeres. Um deles é a fonte decorativa, que o Católico-Filósofo-Ditador-Economista classifica de inútil e de pecar por não ser económica. Atrevo-me a sugerir aqui, que a solução para a questão seria transformá-la num admirável tanque para as mulheres mais pobres da sua aldeia lavarem a roupa...”

Gibbons, John, Não Criei Musgo. Retrato de uma Aldeia Transmontana, Carrazeda de Ansiães, Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, 2004, pp. 128-129.


"Professor Dr. António Oliveira Salazar"
Secretariado Nacional de Informação

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