24 de junho de 2022

Revolução nenhuma

     Isto era para lhe dizer que (principalmente desde esta história dos CTT – ontem a meter no Rato uma encomenda de papelada para si, vi as caras das raparigas – pareciam viúvas e não só por causa das batas pretas: uns ares acabrunhados, cansados, humilhados, quase envergonhados, inda que as reivindicações deles fossem exageradas) já me sinto na Oposição ao Regime (actual). Ao fim de dois meses, está-me a cheirar que estes Salvadores da Pátria (assim chamaram também aos do 28 de Maio) não fizeram revolução nenhuma, mas uma manobra de salvação própria e de classe (burguesa, capitalista, monopolista, multinacionalista) e de casta (militar). E os 200 capitães, em coro, estão a representar o papel do ingénuo Gomes da Costa e dos convictos honestos (Quintão Meireles e outros) do 28/5. Mas a minha posição é de aguardar. A verdade é que não tive grandes ilusões na primeira hora (a ler o livro do Spínola, semanas antes, vi por ali muita utopia) nem as conservo. (...) Não se pode exigir que quem governa faça tudo a um tempo e eles têm problemas gravíssimos, instantes, e todos os dias novos. O que receio é a convergência de interesses, e um movimento que vá retrogradando para um regime à brasileira (aliás, foi o que esse aviador maluco, Galvão de Melo, cuja cara de nazi chapado logo no dia 25 me chocou pela TV, disse no Brasil).”

Pacheco, Luiz, O Grilo na Varanda – Luiz Pacheco para Laureano Barros (Correspondência, 1966-2001), transcrição, introdução e notas de João Pedro George, Lisboa, Tinta-da-China, 2017, pp. 145-146.

"O general Galvão de Melo, um dos membros da Junta de Salvação Nacional, acompanhado pelo Dr. Vasco Vieira de Almeida, delegado da Junta para o sector da Banca, à saída da Cova da Moura"
Abel Fonseca
1974

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