11 de fevereiro de 2022

Contratados em Angola

“Eu, patriota, acho que já era antes de ir para a Mocidade Portuguesa. Não me pergunte porquê mas eu gostava de ser português. Era a minha terra. E saio da Mocidade Portuguesa com aquilo na cabeça. Eh pá, tínhamos sido dos primeiros povos a abolir a escravatura, tínhamos um tipo de convívio com o Ultramar, com o preto, que os outros povos não tinham. É assim que parto daqui. Só que logo no dia em que o barco atraca ao porto do Lobito, e estou eu ainda na amurada, vejo um capataz, necessariamente branco, com uma fileira de pretos, aí uns 30 ou 40, presos com cordas muito grossas nos pulsos e nos tornozelos para a estiva. Pergunto a um engenheiro belga que já tinha experiência de África o que era aquilo, e ele diz-me que eram os contratados. «Mas eles estão acorrentados.» «Estão, porque é assim.» Meses depois já eu sabia timtim-por-timtim o que era essa história dos contratados e como é que a escravatura continuava em Angola, e até o apartheid e tudo.”

Entrevista a Vitor Silva Tavares por Alexandra Lucas Coelho (Público, 2007) in Domingos, Paulo da Costa (coord.), & etc, uma editora no subterrâneo, Lisboa, Livraria Letra livre, 2013, pp. 126-127.


Coleira de escravo
Museu Nacional de Arqueologia

"este escra/uo he de Luis Cardoso de Mello m/or em Ben/avente"

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