23 de dezembro de 2020

Eça de Queirós - vinho da Eucaristia

      "E deu um forte chupão ao calix. Mas estava fallador n'essa noite, e depois d'arrotar devagar, interpellou de novo D. Josepha, assombrada de tanta sciencia.
—E diga-me lá então a senhora, já que é tão doutora: o vinho, no divino sacrificio, deve ser branco ou tinto?
D. Josepha parecia-lhe que devia ser tinto, para se parecer mais com o sangue de Nosso Senhor.
—Emende a menina, mugiu o conego de dedo em riste para Amelia.
Ella recusou-se, com um risinho. Como não era sacristão, não sabia...
—Emende o senhor parocho!
Amaro galhofou. Se era erro ser tinto, então devia ser branco...
—E porquê?
Amaro ouvira dizer que era o costume em Roma.
—E porque? continuava o conego, pedante e roncão.
Não sabia.
—Porque Nosso Senhor Jesus Christo, quando pela primeira vez consagrou, fel-o com vinho branco. E a razão é muito simples: é porque na Judéa n'esse tempo, como é notorio, não se fabricava vinho tinto... Repita-me a senhora a aletria, faça favor."

Queirós, Eça de, O crime do padre Amaro: scenas da vida devota, Terceira Edição, Inteiramente refundida, recomposta, e diferente na forma e na acção da edição primitiva, Porto, Livraria Internacional de Ernesto Chardron, Lugan & Genelioux, Successores, 1889, pp. 394-395.

Juan de Juanes
La Última Cena
1555 - 1562

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