21 de junho de 2022

Comboios

     Que eu tenha vivido os comboios como solidão é, evidentemente, um paradoxo. Eles são, na expressão francesa, transports en commun: concebidos no início do século XIX para facultarem transporte coletivo para pessoas que não podiam ter transporte particular ou, com o passar dos anos, para os mais abastados que podiam ser atraídos por acomodações partilhadas mais luxuosos a preços mais altos. Na prática, ao nomearem e classificarem os diversos níveis de conforto, os comboios inventaram as classes sociais na sua forma moderna: tal como um exemplo dos primeiros tempos pode ilustrar, durante décadas os comboios andavam apinhados e eram desconfortáveis, exceto para os afortunados que pudessem viajar em primeira classe. Mas na minha época a segunda classe era mais do que aceitável para a classe média; e em Inglaterra, essas pessoas isolavam-se. Naqueles dias ditosos antes dos telemóveis, quando era inaceitável ter um rádio a tocar num local público (e a autoridade do revisor bastava para reprimir espíritos rebeldes), o comboio era um local magnífico e silencioso.”

Judt, Tony, O Chalet da Memória, Lisboa, Edições 70, 2011, pp. 74-75.

Locomotives [quartier de la Goutte d'Or, 18e arrondissement]
Agence Rol
1928

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