“Vou
para a cama. O vinho pesa-me na cabeça. Bebo água fria para
desenjoar a gorja. Durmo como um bendito. Acordo no escuro, cedo, 6
ou 5 horas, há um grupo na Pensão que se está a levantar, batem
portas. Estou excitadíssimo. O meu homem virá ao encontro? Onde o
hei-de meter? Nestes quartos ouve-se tudo. Abjecção. Remorsos.
Decido não ir. Mistura a Deolinda com o António e sem mexer na
picha estou quase a vir-me. De repente, é tudo tão violento que
tenho de bater uma.
Como
a natureza previu todas as nossas fraquezas e ausências, dotou-nos
também com outro caralho para o cu detrás. Meto o dedo (médio?)
todo no cu, bato a punheta. E a ejaculação, forte porque há dias
que estou sem deitar nada cá para fora, dá-me contracções no
esfíncter. Gozosíssimas. Venho-me imenso. Estou cada vez mais
excitado. Cada passo na escada parece julgo que é o António que vem
e me penetra e me obriga a chupar-lhe o delicioso caralho que não
vi. Escândalo. Tribunal Militar. Vergonha. Filhos a saberem tudo.
Loucura. Suicídio. Tomo meio Calmax.
A pouco e pouco a corda vai-se aligeirando, estou melhor. Mas que
vontade de ter pecado. De pecar. Como assim: de viver.
Descubro
que o êxito e o fracasso são uma e a mesma cadeia e em tudo. O
êxito para cima, o fracasso para baixo, e quando digo baixo digo
baixo: sujidões, dívidas, vergonhas, podridão, loucura. Mas o que
torna tudo igual é que ambas as cadeias se encontram, nada a fazer,
meus caros, daqui a cem anos ninguém se lembra.
E
a nossa lição-abjecção a quem aproveitará?
Já
tanto faz.
Tanto
nos faz.
Braga, 16 ou 17 de Outubro, 1961”
Pacheco, Luiz, O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor, Braga, Fundação Cultural Bracara Augusta, 2000, pp. 49-51.
Amadeo de Souza-Cardoso
c. 1912
Sem comentários:
Enviar um comentário