21 de maio de 2022

Letrados do exército e da magistratura

A experiência de 1808 e a seguir da guerra mudaram Portugal. A fuga do rei para o Brasil e o colaboracionismo da Igreja, da nobreza e da magistratura enfraqueceram irremediavelmente o antigo regime. A ausência da maioria dos «grandes» na revolta de 1808 abalou para sempre o seu poder e o seu prestígio. Apesar da insignificância do papel da «burguesia» durante a crise e do triunfo ideológico «do trono e do altar», parte do pessoal das juntas e do exército de Beresford chegou a 1814 decidida a não voltar à paz podre de 1807. Nele se veio a recrutar a «classe dirigente» do «liberalismo» português.

Mas, mais do que isso, a revolta e a guerra acabaram com o isolamento e a imobilidade do país. Passaram por Portugal milhares de espanhóis, de ingleses, de franceses, que traziam consigo uma cultura exótica e provavam a possibilidade de uma vida diferente. E os sete anos de 1807 a 1814 mostraram que o que se dava por definitivo caía e morria com facilidade. Em 1814, a violência já não impressionava ninguém e ninguém ignorava que por ela (ou com ela) se fazia ou desfazia uma sociedade. O inimaginável de 1807 era agora um lugar-comum. E os portugueses, especialmente os portugueses letrados do exército e da magistratura, queriam uma recompensa pelos sacrifícios que tinham suportado e pela vitória que tinham ganho. Foi isto que o «antigo regime» nunca percebeu.”

Valente, Vasco Pulido, Ir prò Maneta. A Revolta contra os Franceses (1808), Lisboa, Alêtheia Editores, 2007, p. 108-109.


Lisboa protegendo os seus habitantes das invasões francesas
Domingos António Sequeira
1812
Museu de Lisboa

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