"Imagine-se um indivíduo que era filho do caseiro, que faz ali uns estudos, depois vai para o liceu e para a universidade em Coimbra, mas vive sempre naquelas instituições católicas, com a pobreza que aquilo tinha, mas com disciplina e com o sentimento de virtude que elas incutiam nele. Depois de formado, vai para professor, continua a viver monasticamente, com refeições a horas, talheres primitivos, mas a roupinha asseada, e que vai acumulando um sentimento de virtude enorme, porque essas coisas só são suportáveis se as pessoas se convencessem de que «eu sou melhor do que os outros» e de que têm uma disciplina superior. Um homem que só comunica com o mundo pela leitura e pela escrita e mais nada. Depois, quando chega a Lisboa, continua a viver assim. Aluga uma casa ali em Arroios, que pelas descrições de Marcello Caetano era simplória, tão pobre quanto um presidente do Conselho podia arranjar, e depois vai para São Bento, traz a camponesa que o servia de Vimieiro e faz um galinheiro e uma coelheira. Essa parte de Salazar mantém-se até morrer."
"O diletante, com efeito, corre entre as ideias e os factos como as borboletas (a quem é desde séculos comparado) correm entre as flores, para pousar, retomar logo o voo estouvado, encontrando nessa fugidia mutabilidade o deleite supremo." Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes (Memórias e Notas)
29 de novembro de 2021
Um galinheiro e uma coelheira
Silva, João Céu e, Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, Lisboa Contraponto, 2021, p. 131.
1933
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário