17 de outubro de 2021

Vieira Lusitano e o amor

"Gravura representando o pintor Francisco Vieira Lusitano, a meio corpo, com uma coroa de flores na cabeça, segurando um quadro emoldurado que retrata a sua mulher D. Inês Helena de Lima e Melo." daqui

"Uns fidalgos da quinta da Boavista, situada próximo do convento da Luz, quiseram conhecê-lo, e o pai lá foi apresentá-lo. Nessa quinta é que Francisco de Matos Vieira se encontrou com uma menina, que foi a sua primeira e única paixão, e por causa da qual muito havia de sofrer toda a vida. Esse amor que foi desabrochando por entre os brinquedos infantis, havia de atormentá-lo, depois, até ao fim da vida.
(...)
Entretanto Vieira Lusitano e a menina de quem já se falou, D. Inês Helena de Lima e Melo, estavam cada vez mais apaixonados um pelo outro, e como a família de D. Inês se opunha ao casamento por julgarem o noivo de condição inferior, os dois namorados procuraram obter do patriarcado as licenças necessárias para o consorcio se realizar por procuração e apesar daquela resistência. O casamento realizou se, mas os pais da noiva, logo que souberam das diligências em que andava Vieira, levaram a filha para o convento de Santana, e a obrigaram a professar, embora ela protestasse era casada. Francisco de Matos Vieira tentou por todos os modos legais tirar a esposa da clausura, mas como nem o próprio soberano o atendeu, decidiu voltar a Roma afim de pedir ao papa os breves precisos para a realização do seu desejo.
(...)
Voltando à pátria desanimado por não ter conseguido do pontífice aquilo que tanto ambicionava, entendeu-se com sua mulher e com ela deliberou levar a efeito o projecto, saltando embora por cima de todas as leis civis e eclesiásticas. Arranjou meio de lhe chegar ás mãos um fato completo de homem, e um dia, ao anoitecer, D. Inês saiu da sua cela, passou em frente da abadessa, que não a reconheceu com aquele disfarce, e saiu do mosteiro para se encontrar com seu marido, e assim no fim de tantos anos de trabalhos e de amarguras puderam unir-se os dois estremecidos esposos. Não tardou que a fuga de Inês fosse conhecida no convento, e os parentes, ao saberem do facto, logo juraram que Vieira Lusitano não ficaria impune.
Um irmão da ex-reclusa constituiu-se em vingador da honra da família supostamente ultrajada, e esperando o pintor próximo, da rua das Pretas, desfechou sobre ele um tiro de pistola, que o feriu gravemente. Algum tempo depois, Vieira Lusitano achando-se restabelecido, foi pedir a D. João V justiça contra o seu traiçoeiro agressor, mas o monarca não o atendeu, porque influencias poderosas evitaram que a justiça procedesse; o criminoso saiu do reino livremente, e passados anos, caindo em miséria, viu-se na dura necessidade de ir mendigar o pão àquele mesmo que tentara assassinar.
(...)
Esteve em Mafra, onde enviuvou em 1775, e cheio de desgosto pela perda da sua estremecida companheira, abandonou a pintura, e foi viver para o Beato António, passando ali os últimos anos da sua existência."

Pereira, Esteves; Rodrigues, Guilherme, Portugal. Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico, vol. VII, Lisboa, João Romano Torres & C.ª - Editores, 1915, pp. 459-460. daqui

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